A história da Santa Casa da Misericórdia de Macau confunde-se com a do próprio território de Macau, outrora sob administração portuguesa, hoje Região Administrativa Especial da República Popular da China. Há que ter em conta que a "Confraria e Irmandade da Misericórdia de Macau", como era inicialmente apelidada, foi criada poucos anos depois da fundação de Macau, como entreposto português, de tal maneira que há uma interligação profunda entre as duas realidades. Aliás, o fundador da Santa Casa, o bispo D. Belchior Carneiro, foi uma figura chave nos primórdios da história de Macau, estando a ele ligada a fundação, em 1583, do Senado, que foi a primeira instituição política local. Ou seja, a criação da Misericórdia precedeu a do próprio órgão de governo local, o que bem atesta quanto ela está ligada às próprias origens de Macau.
Durante a sua longa história, por várias vezes a Santa Casa da Misericórdia de Macau esteve directa ou indirectamente envolvida em importantes mudanças não só no campo da assistência médica e social, visando os mais desprotegidos, mas também em diversas outras áreas, incluindo as ligadas às finanças. Com efeito, contribuiu para a implementação de taxas organizadas sobre diversas actividades até então não reguladas, funcionou como banco, emprestando dinheiro, e promoveu uma lotaria muito popular, entre outras actividades.
O facto de Macau ter sido, durante séculos, exceptuando a segunda metade do século XX, um concorrido posto comercial, dotado de uma muito razoável estrutura de assistência social, deve-se, em grande parte, a esta Irmandade, que ao longo da sua história soube criar mecanismos e gerir sensibilidades políticas para, de forma extremamente bem conseguida, ir encontrando financiamento para as suas obras de caridade e, ao mesmo tempo, tornar-se uma referência social e até política no território. Mas o centro das preocupações da instituição foi, desde sempre, manter de pé a sua rede de apoio social aos mais desfavorecidos, numa linha de acção fiel à cultura cristã do Reino de Portugal.
Em 1569, D. Belchior Carneiro, que havia chegado a Macau apenas um ano antes, criou a Santa Casa e começou a gerir a instituição sem hesitações: "Quando cheguei a este porto, dito do nome de Deus, havia cá poucas habitações de portugueses... Mal cheguei, abri um hospital, onde se admitem tanto cristãos como pagãos... Criei, também, uma Confraria da Misericórdia... para prover a todos os pobres e envergonhados e aos que precisem..." Estas palavras foram escritas por D. Belchior numa carta dirigida ao Padre Geral Jesuíta, em que anunciava oficialmente a fundação da Santa Casa. Elas testemunham bem a sua forma de estar à frente da Irmandade, que se evidenciou até ao ano de 1581, em que, por doença, renunciou a todos os cargos que administrava. Activo e atento à realidade local, D. Belchior Carneiro fundou quase em simultâneo um hospício, onde, testemunham relatos escritos e manifestações artísticas, muitas vezes assistia em pessoa os leprosos. E com esta iniciativa, D. Belchior levou a Irmandade a deixar o seu primeiro grande marco na História de Macau. O hospício para lázaros, como na altura se chamava, foi o primeiro serviço de assistência social alguma vez constituído em Macau.
Obra da abnegada benevolência de D. Belchior, a Santa Casa de Misericórdia de Macau é, assim, a mais antiga instituição de solidariedade social da Região Administrativa Especial de Macau (RAEM), guiada pelos princípios da solidariedade cristã. Segundo estes, deve dar-se de comer a quem tem fome e de beber a quem tem sede, vestir os nús, dar abrigo aos pobres e aos peregrinos, curar os enfermos e enterrar os mortos.
Mas há que ter em conta que a criação da Misericórdia de Macau se insere num movimento mais global, nascido em Portugal em finais do século XV, com a fundação da Confraria da Misericórdia de Lisboa. Esta foi instituída por D. Leonor, então regente do trono de Portugal, no dia 15 de Agosto de 1498, e foi um dos marcos mais salientes da reforma da assistência que a rainha iniciou em 1485.
D. Belchior desapareceu deixando uma estrutura em pleno funcionamento, mas que se guiava por um texto regulamentar muito incipiente.
Hoje, a Santa Casa continua, naturalmente, a ser uma instituição de importância vital na comunidade portuguesa local. Os seus membros são todos portugueses e católicos e, na sua esmagadora maioria, naturais de Macau. Desde o estabelecimento da Região Administrativa Especial de Macau que a Santa Casa adoptou uma série de medidas de fundo para se adaptar aos novos tempos. Entre estas, destacam-se a renovação total das suas instalações de serviço social, a criação de uma creche bilingue, de um centro de convívio e de um núcleo museológico.
A Santa Casa possui uma ampla gama de instalações de serviço social bem apetrechadas, tais como o Lar de Nossa Senhora da Misericórdia, a Creche da Santa Casa da Misericórdia e o Centro de Reabilitação de Cegos. Mas a assistência da Santa Casa aos idosos de Macau já data de há mais de cem anos. O antigo asilo, conhecido popularmente por Albergue das Velhotas e que outrora funcionou como casa de refúgio para mulheres sem lar, foi restaurado, respeitando a traça dos anos 20, e é hoje um dinâmico espaço cultural da Santa Casa.
O Lar de Nossa Senhora da Misericórdia, que foi totalmente renovado e ampliado em 2001, oferece guarida aos cidadãos mais idosos em situação de necessidade. As novas instalações podem acomodar até 123 pessoas e são uma das melhores unidades locais para a terceira idade, tanto no que diz respeito às instalações como ao serviço.
A Creche da Santa Casa da Misericórdia, inaugurada em 2002, ministra um ensino infantil bilingue, em português e chinês, e veio aliviar a pressão que se fazia sentir na comunidade pela falta de creches em que se fale português. A creche tem capacidade para 258 crianças, com idades compreendidas entre os seis meses e os três anos.
O Centro de Reabilitação de Cegos, que já data da década de 60, foi durante muitos anos o único centro em Macau de apoio social a deficientes visuais. O Centro, renovado em 2003, organiza sobretudo eventos sociais para os invisuais e providencia formação, ensinando, por exemplo, a tricotar lã ou a entrançar rota.
Além de todos estes serviços, de carácter permanente, a Santa Casa também concede donativos em dinheiro, caso a caso, a indivíduos ou famílias com carências. Não há dúvida, pois, de que a Santa Casa soube acompanhar o evoluir dos tempos.
No entanto, a Santa Casa da Misericórdia de Macau não se resume, como é evidente, a uma simples organização de beneficência. Esta venerável instituição também se dedica a cultivar e a promover o rico património cultural e os valores católicos da comunidade portuguesa de Macau. O Núcleo Museológico da Santa Casa, inaugurado em 2001, contém uma colecção de relíquias católicas de valor incalculável, com peças que datam do século XVI e que testemunham o percurso da cultura ocidental introduzida na China através de Macau. A maior parte das peças em exposição foram gentilmente cedidas pelos Irmãos da Santa Casa e o Núcleo Museológico tornou-se um dos locais turísticos mais procurados de Macau.
Hoje, a vetusta Santa Casa tem uma nova aparência, com o seu edifício restaurado e resplandecente e a Travessa da Misericórdia, que lhe fica adjacente, embelezada.
É aliás na Travessa da Misericórdia, junto à porta de entrada para o edifício-sede, que se situa outra das novas estruturas da Santa Casa, o Centro de Convívio, que está em funcionamento desde Janeiro de 2001. Trata-se, como o nome indica, de um espaço de convívio frequentado não só por Irmãos e seus familiares e amigos, mas também por outras pessoas, incluindo elementos da comunidade chinesa. O Centro de Convívio proporciona um serviço de bar e de almoços.
Como membro activo da sociedade civil de Macau, a Santa Casa da Misericórdia serve agora os cidadãos da Região Administrativa Especial com espírito e vigor renovados, bem espelhados na restauração, muito apreciada, do seu edifício histórico situado em pleno Centro Histórico da Cidade, já incluído na Lista de Património Mundial da UNESCO.